sábado, 2 de maio de 2009

Arlequim apaixonado

Hoje tenho quarenta anos, casado e pai de dois filhos.
Mas a história que quero contar a vocês aconteceu quando tinha 17 anos. Mamãe era uma carnavalesca inveterada e durante o carnaval lá em casa todos nós nos fantasiávamos e saíamos em vários blocos, cordões e escolas de samba pela cidade. Ela mesma já tinha sido destaque na ala das baianas diversas vezes. O bom é cair na folia, falava mamãe. Papai adorava vê-la feliz e por isso aonde ela ia, lá estava ele. Dois foliões apaixonados. Naquele ano eu e minha família fomos passar o feriado de carnaval em Parati no Rio de Janeiro. Tínhamos parentes lá. Eles organizaram um carnaval ‘as antigas’, bem tradicional. Além disso, um hotel da cidade promoveu um concurso de fantasias e mamãe foi convidada de honra. Até aquele ano eu não era muito afeito ao carnaval, mas algo estava para acontecer e iria marcar a minha vida para sempre. Chegamos em Parati numa sexta-feira à noite e ficamos lá até a quarta-feira de cinzas. Já no sábado tínhamos um baile. Logo de manhã criou-se um alvoroço com a arrumação dos adereços e as fantasias. Papai seria Luís XVI e mamãe Maria Antonieta. Meu irmão mais velho foi Peter Pan e minha irmã caçula odalisca. Minha fantasia de Arlequim havia se danificado durante a viagem e por um momento pensei que não brincaria o carnaval aquela noite. Não me chateei, afinal como disse, não dava a mínima para aquele tipo de festa. Mas minha mãe habilmente conseguiu recolocar os guizos e reparar as costuras da fantasia. A princípio, não gostei da idéia, mas logo surgiu um cordão por toda a casa ecoando: Oh jardineira por que estás tão triste?... Enfiaram-me dentro da fantasia. Confesso que ao ficar diante do espelho me surpreendi, afinal me sentia um rapazinho meio desenxabido. Possuía traços pueris que me davam um quê de delicado, mas a maquiagem, o brilho da fantasia, os guizos deram-me ares de malícia e mistério. Logo percebi que aquela noite haveria muitas surpresas. A festa estava sensacional. Comecei a dançar animadamente com meus primos e um grupo de amigos. Quando surgiu um pierrô que começou a pular junto conosco. Após muitas marchinhas e algumas doses de cuba livre parecíamos amigos de muito tempo. Num certo momento, ele se aproximou do meu ouvido e com uma voz máscula e caliente sussurrou: Venha fazer este triste pierrô feliz. Ele segurou em um dos meus braços e foi me levando para fora do salão. Quando dei por mim estávamos afastados de toda a algazarra. Ouvíamos ao longe a orquestra e os gritos dos foliões. O pierrô tristonho, logo se mostrou bem mais animado do que no salão e com habilidade de quem entende do assunto começou a bolinar meu corpo. Senti seus braços fortes me envolvendo e seu hálito quente em minha nuca. Ao mesmo tempo em que um frio percorria minha espinha, um calor me consumia por dentro. De repente um beijo molhado e demorado, ouvi sininhos. Arrancamos as roupas um do outro e ficamos nus. Nos deitamos sobre nossas fantasias e ali fizemos o nosso ninho de amor. Nos amamos feito uns loucos. Como meu pierrô era insaciável. Parecia não se cansar nunca. E à medida que ele cavalgava sobre mim, desejava-o ainda mais. Foram vários gozos. Eu o sentia explodindo de prazer dentro de mim. Após ter colocado e tirado seu bloco várias vezes da minha avenida. Meu pierrô convidou-me para tomarmos banho de mar. A água do mar lavou-lhe o rosto, então pude vê-lo. Belo rosto, olhos cor de mel, um caiçara lindo e o corpo torneado como se fosse uma escultura viva. Havia um grupo de rochas que eram banhadas pelo mar e ali mais uma vez meu pierrô caiçara me possuiu de modo inenarrável, mas igualmente maravilhoso. Vi estrelas e uivei como um lobo para a lua cheia daquela noite. Beijávamos-nos ardentemente. Exaustos, abraçados um ao outro adormecemos ali mesmo à beira mar. Quando o sol despontou no horizonte acordei, olhei em volta e nada do meu pierrô caiçara. Senti apenas minha fantasia de arlequim exalando ainda o cheiro bom do meu homem. Teria sido um sonho? Não! Meu corpo possuía as marcas de uma paixão intensa e real. Naquela manhã voltei para casa dos meus tios e perguntei aos meus primos quem era o rapaz fantasiado de pierrô, mas quê? Ninguém sabia quem era. À noite fui ao baile, percorri a cidade toda, mas em vão. Decidi ir para praia na esperança de encontrá-lo. Assim fiz até quarta-feira, quando minha família e eu retornamos para nossa cidade. Ainda hoje quando o carnaval se aproxima a lembrança do meu pierrô caiçara vem à tona e me pego numa nostalgia imensa. Recordo feliz a minha primeira vez. Oh quanto riso! Oh quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão. Arlequim está chorando pelo amor da columbina. No meio da multidão...


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